Redes sociais: quem está a pensar por ti?
- JVK
- 15 de ago.
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Atualizado: há 3 dias
Quantas vezes já deste por ti a abrir o telemóvel “só por dois minutos” e, quando reparaste, já tinham passado quarenta? Não estás sozinho. Não é falta de disciplina tua — é design. As redes sociais foram feitas para isso: sugar o teu tempo, a tua atenção e até o teu humor.
O algoritmo conhece-te melhor do que tu próprio. Sabe que tipo de vídeos te fazem rir, que notícias te indignam, e até que horas estás mais vulnerável a clicar em qualquer coisa. Ele não se interessa se o conteúdo é verdadeiro, útil ou saudável. O objetivo é simples: manter-te colado ao ecrã.
Emoções que vendem
Imagina que publicas uma foto bonita de uma flor. Vais receber alguns “gostos”, talvez um comentário simpático. Mas se publicares uma frase polémica sobre política ou um vídeo a criticar alguém, a probabilidade de teres dezenas de reações é muito maior. Porquê? Porque o algoritmo dá prioridade ao que gera emoções fortes — raiva, medo, inveja.
Não é coincidência que muitas vezes saímos das redes mais cansados, mais irritados ou mais inseguros do que quando entrámos. Isso não é um acidente: é o modelo de negócio.
Quantas vezes já abriste o telemóvel “só por dois minutos” e, quando deste por ti, já tinham passado quarenta? Não és o único. E não é porque te falta disciplina. É porque tudo foi desenhado para isso. As redes sociais não são janelas para o mundo: são redes de pesca. O que interessa não é o que tu vês, mas o que consegues dar de ti enquanto estás ali. O teu tempo, a tua atenção, o teu humor.
Cada gesto que fazes é um rasto. Um like, uma partilha, um vídeo que vês até ao fim, um link que abres e largas a meio. Parece pouco, mas são pistas. E quando juntas milhões de pistas, surge um retrato. Não uma fotografia tua, mas uma previsão: setenta por cento de probabilidade de clicares em ténis, quarenta em viagens, vinte em política. Esse retrato não fica parado numa gaveta. Vai a leilão.
Imagina o que acontece quando carregas numa página qualquer. À superfície, tudo normal: um texto, umas imagens, talvez um vídeo. Mas, nos bastidores, um pequeno fragmento de código — invisível, transparente — envia uma mensagem: “alguém chegou aqui, agora, com este telemóvel.” Esse alguém és tu.
Esse aviso pode vir de várias formas. Durante anos, os cookies foram os carteiros que levavam a notícia, colando a tua presença de site em site. Hoje, são os identificadores dos telemóveis, números únicos invisíveis, que fazem o mesmo trabalho. Se entrares com o teu e-mail ou número, melhor ainda: és tu, confirmado, mas traduzido em código. E se nada disso estiver disponível, há sempre o improviso engenhoso: a impressão digital do dispositivo, feita de detalhes técnicos como modelo, resolução, sistema operativo, até a fonte instalada. Uma assinatura invisível, mas quase tão única como a tua.
Assim que o retrato está pronto, abre-se um leilão silencioso. O espaço em branco da página, onde vai aparecer um anúncio, é colocado em disputa. Do lado do site, descreve-se a oportunidade: formato, localização aproximada, idade provável, interesses suspeitados. Do outro lado, dezenas de anunciantes preparam-se. As máquinas deles fazem cálculos em frações de segundo: “vale a pena mostrar-lhe um carro? Uns óculos? Um cartão de crédito? Uma viagem?” Cada aposta é automática. O maior lance válido ganha. O anúncio aparece. Parece natural, mas foi escolhido a dedo para ti.
Se clicas, vitória registada. Se não clicas, também vale: é aprendizagem. O sistema ajusta, afina, repete. Nada se perde. Cada gesto teu alimenta a engrenagem. E este espetáculo repete-se centenas de vezes por dia, em cada página, em cada app. É um pregão invisível que nunca para: “tenho aqui uma pessoa que olha para viagens, talvez entediada, talvez insegura, quem dá mais?”
É isto que sustenta uma das maiores indústrias do planeta. A tua atenção é convertida em mercado. Só o Facebook e o Instagram juntos faturam mais de cento e trinta mil milhões de dólares num ano. O YouTube passa dos trinta mil milhões. O TikTok, ainda adolescente, já passa dos vinte. Nos Estados Unidos, a publicidade digital, no total, ultrapassa os trezentos mil milhões anuais. Não são os teus amigos a pagar esta conta. És tu. O produto és tu.
Até aqui falamos de ténis, viagens, gadgets. Mas e quando a mesma fórmula é usada para vender ideias políticas? É aí que o jogo fica mais sério.
Foi o que aconteceu em 2016, com a Cambridge Analytica. Usando dados de milhões de utilizadores do Facebook, criaram perfis psicológicos. Uns viam mensagens sobre imigração e criminalidade, outros sobre corrupção e impostos, outros ainda sobre patriotismo e família. A mesma campanha, milhares de versões diferentes. Cada eleitor na sua bolha, convencido de que estava a ver a realidade.
Nos Estados Unidos, essa estratégia ajudou a eleger Donald Trump. Parte do truque não era convencer eleitores indecisos, mas desmotivar os adversários: encher o feed de mensagens negativas até o cinismo ser tanto que a pessoa nem se desse ao trabalho de votar. E em democracia, não votar já é uma escolha.
No Brexit, foi parecido. Uns viram o medo da imigração, outros a promessa de mais dinheiro para a saúde. Cada um recebeu a versão que mais o fazia reagir. Resultado: uma sociedade partida, não só entre sair ou ficar, mas entre realidades paralelas fabricadas por algoritmos.
No Brasil, em 2018, o palco foi outro: o WhatsApp. Correntes, vídeos, áudios. Tudo viral, tudo emocional. Raiva, medo, indignação. As mensagens espalharam-se por grupos gigantes, criando um ambiente político onde já não se discutiam ideias, mas emoções cruas. Até hoje a política brasileira vive à sombra dessa engrenagem.
O algoritmo não quer saber de democracia, nem de verdade. Quer saber se ficas. E se ficas, está a funcionar. Se passas mais tempo em vídeos de violência, recebes mais violência. Se reages a notícias de corrupção, recebes mais corrupção. A lógica não é ideológica, é matemática: aquilo que te prende, repete-se.
Não precisas de acreditar numa grande mentira para seres manipulado. Basta seres alimentado com pequenas verdades escolhidas a dedo. No passado, todos viam o mesmo cartaz na rua e podiam comentar, criticar, rir. Hoje, cada eleitor recebe o seu cartaz privado, invisível para os outros. Não há debate público, há bolhas privadas. Democracia feita de bolhas é democracia frágil.
A máquina cria bolhas, realidades paralelas onde todos parecem concordar contigo e quem está de fora é visto como o inimigo. Se tens receio da imigração, serás inundado com notícias que validam esse medo. Se desconfias de um partido político, só verás o pior sobre ele. Uma sociedade feita de bolhas é uma sociedade de solidão em massa. Estamos rodeados de ecos, mas profundamente sós, incapazes de ter uma conversa genuína com quem pensa diferente. O algoritmo não quer saber de democracia ou de verdade. Quer saber se ficas. E o medo e a raiva são a cola mais forte que ele conhece.
E então, pensa comigo. Queres ser marioneta de departamentos de marketing que decidem o que vais sentir hoje? Ou queres ser tu a escolher o mundo que queres para ti? Queres deixar que algoritmos fabriquem a tua visão da política, das relações, do futuro? Ou vais decidir pensar pela tua própria cabeça?
As redes não vão desaparecer. A máquina vai continuar a leiloar a tua atenção todos os dias. Mas há uma escolha que ninguém pode fazer por ti. Podes ser pensado… ou podes pensar.
A Alternativa: A Conexão Real
A alternativa a este ciclo não é apenas "pensar pela tua própria cabeça". É um acto mais profundo. É escolher a conexão real como antídoto para a conexão fabricada que te é vendida.
E essa conexão real tem três caminhos:
A Conexão Com os Outros: O verdadeiro antídoto para a solidão online não é mais online. É a coragem de ser vulnerável numa conversa cara a cara. É partilhar interesses comuns num clube, numa aula, num grupo de voluntariado. É a qualidade de uma interação honesta sobre a quantidade de likes vazios.
A Conexão Consigo Mesmo: A alternativa mais poderosa é transformar a solidão (a dor da ausência) em solitude (a paz da tua própria companhia). Em vez de preencheres cada momento de silêncio com o ruído do feed, usa esse tempo para te descobrires. Cultiva uma paixão, aprende algo novo, escreve, ou simplesmente fica em silêncio. Quando estás bem na tua própria companhia, o isco do algoritmo perde o seu poder.
A Conexão com Algo Maior: Desliga o ecrã e liga-te ao mundo. Caminha na natureza, dedica-te a uma causa em que acreditas, mergulha na arte. Sentir que fazes parte de algo maior do que o teu pequeno "eu" digital é um bálsamo para a alma e um escudo contra a manipulação que se alimenta do nosso sentimento de insignificância.
A máquina vai continuar a leiloar a tua atenção. Mas a escolha que ninguém pode fazer por ti é esta: vais continuar a procurar a cura para a solidão no exato lugar que lucra em mantê-la viva?
Ou vais pousar o telemóvel, respirar fundo, e escolher ser, não um utilizador a ser pensado, mas um ser humano a conectar-se?
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